Família Arboit x Família Cornaro: qual a relação?

Sobre a origem do nome Arboit levo em conta duas hipóteses, e que podem agregar origem do sobrenome e origem da família, sem que necessariamente sejam excludentes.

1) Segundo Ettori Rossoni (2000), Arboit deriva de uma forma dialetal contraída do nome medieval germânico Arbogast, por sua vez formada por arb (herança) e gast (que hospeda, que contém) e que também pode derivar de um apelido de dialeto baseado no termo cimbro arbatan (trabalho) com o significado de trabalhador. Traduz bem a linha direta dos Arboit Cornerot.

2) Através do arquivista Francesco Pellin da paroquia de Arsiè, é possível que a família seja originária da França pelo que se comenta em Rocca. Fiz postagem anterior em: "De Rocca a Morretes: somos mais de 500 membros": https://familiaarboit.blogspot.com/2020/08/de-rocca-morretes-somos-mais-de-500.html

A família italiana é patriarcal ainda no século XIX que, pelos costumes, a mulher quando casa perde seu sobrenome de família para assumir o sobrenome do esposo, predominância esta que se estende aos filhos do casal. Há o costume de dar também, aos primeiros filhos, os nomes dos avós paternos, via de regra depois os dos avós maternos, assim como nome de tios ou parentes de grau próximo são dados às crianças. A exceção se dava, em caso de saúde delicada ou graça alcançada, a primazia de batizar o primogênito com o nome do santo devoto da família.

À rua João Régis, antiga rua da Matriz de Paranaguá-PR, as letras M A moldadas em ferro estampam a porta da casa, construída pela firma Alboit & Cia, de meu bisavô Giovanni Battista Arboit (1867-1943), 1934 é a data inscrita acima da porta, o que chama a atenção de transeuntes atentos.

As letras se referem afetivamente a Marco Arboit (1811-1890), avô de Giovanni. Dois de seus treze filhos ganharam o nome do bisavô Marco. O primogênito que nasceu dois meses após falecimento de Marco em Morretes-PR, no núcleo Rio Sagrado da Colônia Nova Itália, infelizmente veio a falecer em 1900, aos dez anos de idade. O décimo filho também recebeu o nome de seu bisavô, nascido na casa da rua Dr. Leocádio, em 1908, e que chegou a residir e a falecer nessa casa da "João Régis", tão cheia de boas histórias.

O então menino Giovanni, aos 14 anos, morava com seu avô Marco no lote n.4, do núcleo Rio Sagrado, da Colônia Nova Itália. Terras recebidas em 31/07/1881, ou seja, somente três anos e meio após a chegada da família ao Brasil. O título definitivo do terreno foi recebido em 13/03/1893 e pago com a construção de estradas na cidade de Morretes para o Governo da Província do Paraná.

Aos 14 anos aprendia com Marco as técnicas familiares do plantio e continuava a ouvir sabedorias repaginadas das histórias de Rocca de Arsiè - BL, sobre necessárias migrações temporárias aos países vizinhos do norte da Itália para comercializar produtos da família na lida da agricultura, na criação de animais e nos artefatos da serraria e marcenaria, um pouco de tudo para garantir sua sobrevivência em tempos difíceis de uma península dividida em pequenos reinos ocupados por estrangeiros em sua grande maioria. A região do Vêneto viveu sob o comando do império austríaco por mais de 50 anos, tempo em que os homens serviam ao exército por três longos anos, distantes de suas famílias, cujas mulheres e crianças assumiam os encargos cotidianos.

Giovanni aprendia com o pai Giacomo, que adquiriu o lote n.1 do Rio Sagrado, sobre empreitada e construção de estradas, organização da comunidade local e articulações políticas para construção de igreja e aquisição de materiais, como ferragens e mola para estabelecerem moinho para preparar o milho. O grupo liderado por Giacomo demonstrava preocupação com a subsistência familiar e provavelmente com a venda de excedentes. Através de ofício cobravam, ao próprio D. Pedro II em passagem pela Morretes de 1880, o cumprimento das promessas que lhes foram feitas, verdadeiramente irrealizáveis, há três anos ainda em terras italianas, por agenciadores do famigerado empresário Joaquim Caetano Pinto Jr., que representava o governo imperial. Ver contrato em: https://familiaarboit.blogspot.com/2020/07/o-contrato-caetano-pinto-decreto-n-5663.html 

Giacomo Arboit e demais colonos solicitam Igreja no Rio Sagrado. Arquivo Público do Paraná, 1880, AP 616, p.97
Giacomo Arboit e demais colonos solicitam ferragens e mola para construção de Moinho no Núcleo Rio Sagrado. Arquivo Público do Paraná, 1880, AP 616, p. 100
Assinaturas de Giacomo Arboit e colonos do Núcleo Rio Sagrado. Arquivo Público do Paraná, 1880, AP 616, p. 100v e 101
Nesse contexto, o menino Giovanni Battista Arboit crescia com suas experiências e os conhecimentos de pai e avô, além do significado da emigração para o povo italiano e a se perceber como imigrante em terras brasileiras junto com sua família e outras famílias, havia além de muito trabalho, lamentos,  enfrentamentos e coragem, ensinamentos e admiração também.
Na grande família Arboit, de Rocca de Arsiè, da província de Belluno na região do Vêneto, havia os ramos Arboit Michielot, de Michele (nome masculino), os Arboit Zanchi, derivado de Sanco, sinistro, gente astuta. E Cornarot, é como foi identificado nosso ramo ascendente dos Arboit. Segundo me informou Francesco Pellin, arquivista da igreja de Arsiè, Cornarot vem de Cornaro, cognome de uma potente família veneziana e grande proprietária de terras em Arsiè, originária da Roma Antiga e patrícia da República de Veneza, teve oito palácios ao longo do Grande Canal de Veneza, além da Villa Cornaro, situada em Piombino Dese, na Província de Pádua.
Villa Cornaro em Piombino Dese by Andrea Palladio, 1552. Foto Hans A. Rosbach, 2007
Sala de Jantar - Foto Hans A. Rosbach, 2007
São Marcos é o santo padroeiro de Veneza. O nome Marco em nossa família aparece sete vezes por cinco gerações dos avós, de 1747 a 1908, muito mais que Giovanni e Giacomo, nomes comuns a esse ramo dos Cornarot. A origem do sobrenome Arboit como proveniente da França, segundo moradores de Rocca, faz sentido por Veneza ter se tornado um importante Centro Comercial entre o século XIII até o fim do século XVII. A influência política de Veneza foi marcante na história da Europa a partir da alta Idade Média pelo trânsito do Mar Adriático e seu valoroso mercado.
A Guerra de Cambrai ou da Santa Liga, em 1509, foi uma aliança antiveneziana comandada pelo Papa Julio II, por Luís XII da França, Fernando II de Aragão e Maximiliano I, o sacro imperador romano. Os venezianos foram derrotados na Batalha de Agnadel pelos franceses. Vale considerar que essa guerra de 1510 muito afetou Arsiè, Fonzaso e Feltre cujos territórios atacados pelo exército imperial afetou principalmente suas igrejas, como centro da comunidade, o que muito pouco restou delas. Com tantos estragos, em 1510, inquieto com os progressos militares de Luís XII, o Papa resolve mudar de campo e se torna aliado de Veneza, e em 04/10/1511 forma a Santa Liga agora contra a França. Desta forma conseguiram expulsar a França da Itália em 1512. Novas brigas ocorreram e Veneza se junta à França em 1515, desta vez Veneza reconquista seu território perdido em 1508. Veneza é a capital do Vêneto.
A decadência da rica cidade de Veneza começou com a Queda da Constantinopla em 1453, acentuou-se com a descoberta da América pelo genovês Cristoforo Colombo em 1462, e em seguida com a descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama em 1498, deslocando as rotas de Comércio da Europa com o Oriente, através do mar Adriático e o Egeu. Em 1797, Veneza foi invadida pelas tropas de Napoleão Bonaparte e com a assinatura do tratado de Campoformio seu território dividido foi comandado de um lado pelo Império Austríaco e de outro pela República Francesa. Muitos dos colonos italianos serviam ao exército de Napoleão período anterior à unificação do território italiano, processo de união que resultou no surgimento do Estado-nação da Itália na segunda metade do século XIX, deixando o país livre das potências estrangeiras.
A França, assim como toda a Europa, tinha interesse no mercado veneziano, por isso se torna mais fácil entender o que dizem os moradores de Rocca, da Família Arboit ser originária da França. É uma pressuposição considerável, o que acha?
O que tem a ver a família Cornaro com a família Arboit? Pode até ser que os nossos Arboit fossem arrendatários das terras dos Cornaro em Rocca de Arsiè, como também conhecidos dessa família veneziana há mais tempo.

Referências
ALLEGATA, Nella C. Chiesa di Santa Maria Assunta - Arsiè. (em apostila cedida por Francesco Pellin, arquivista da paróquia de Arsiè, em 10/07/2020)
DE BONI, Luís A.; COSTA, Rovílio. Os italianos do Rio Grande do Sul. 3 ed. Porto Alegre: EST; Caxias do Sul: Correio Riograndense, 1984.
La storia di Rocca d'Arsiè (em apostila cedida por Francesco Pellin, arquivista da paróquia de Arsiè, em 10/07/2020)
Opere d'arte (em apostila cedida por Francesco Pellin, arquivista da paróquia de Arsiè, em 10/07/2020)
ROSSONI, Ettore. Origem e história dos sobrenomes italianos. 2000. In: https://archive.org/stream/OrigineEStoriaDeiCognomiItaliani/Originecognomiitaliani_djvu.txt

Comentários

  1. Que riqueza histórica contém nossa genealogia familiar. Parabéns a você sobre está pesquisa, Rocio!

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    1. Uma riqueza que retrata todo o contexto de uma época e que nos faz compreender a postura dos nossos antepassados como articuladores, trabalhadores e cuidadosos com sua família.

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