A fé católica dos imigrantes italianos: sentimento de identidade e pertencimento

A prática da fé católica sempre teve muito destaque na vida dos imigrantes italianos que trouxeram ao Brasil, entre suas bagagens, um fervor religioso que ainda atravessa as gerações de boa parte de seus descendentes.

A religião católica transportada e revivida em terras brasileiras, foi um dos elementos importantes no processo de enraizamento dos italianos na então terra desconhecida, fator que lhes permitiu a reconstrução de seu mundo cultural e serviu para amenizar o distanciamento em meio à floresta ou locais mais ermos da cidade sede, a superar dificuldades, a promover encontros e assim fugir da desintegração social.

Nos primeiros tempos de imigrados, os colonos tinham uma vida social bastante restrita ao círculo familiar e ao seu trabalho, por isso cada grupo de um núcleo colonial lutava para a construção de uma igreja. A capela cheia de força expressiva adquire um significado mais íntimo, mais próximo da comunidade italiana, pois sua vida social girava ao redor desse lugar de fé, festas ou reuniões. É o centro da vida do grupo.

Arquivo Público do Paraná, AP 616, 1880, p.98

"Senhor!

Os colonos estabelecidos no núcleo Rio Sagrado da Colônia Nova Itália e brasileiros do mesmo lugar, vem perante V. M. I. respeitosamente pedir lhes conceda a graça de mandar construir em lugar conveniente daquele núcleo, uma Igreja na qual se celebrem missas com assistência dos dittos moradores, por estarem elles a mais de 14 kilômetros distantes da Igreja da Cidade para a qual elles nem sempre podem vir, não podem ali ser socorridos com os sacramentos della como já tem acontecido em artigo de Morte.

Os abaixo assignados esperão merecer de V. M.I. o deferimento e

                                                Graça


                Morretes      de junho de 1880.

                 Assinam

                Arboit Giacomo, Arboit Marco e mais 60 colonos






A exemplo desse requerimento acima, do grupo de sessenta e dois colonos do Rio Sagrado liderados por Giacomo Arboit, que solicitavam ao Imperador D. Pedro II, a construção de uma igreja em sua localidade. Foram poucos os pedidos atendidos. Não havia muitos padres. A maioria das igrejas (capelas) surgiu mesmo do esforço de sua comunidade e era conduzido por ela.

Assim surgiram as paróquias étnicas de católicos nativos nos mais diferentes grupos coloniais, construídas com o esforço da própria comunidade. E o domingo era o dia da saudade, dia sem trabalho na roça, e a imaginação atravessava o oceano. A roupa de domingo tinha a cor da união e da alegria.

As primeiras capelas foram construídas com a colaboração de todos, de forma rudimentar, aos poucos se assemelhavam com "o estilo das igrejas de vilarejos italianos" (BONI; COSTA, 1984, p. 111). Umas tinham até cemitério e inclusive espaço anexo para escola italiana que servia como salão de reuniões.

A construção da capela, fruto do esforço coletivo, advinha de reuniões decisórias para escolha do local e materiais empregados, coletas de recursos, mutirões para construção ou manutenção, escolha do santo padroeiro, construção do altar, formas de decoração, aquisição de bancos, escolha do padre-leigo para costumeiras funções religiosas da capela como rezas diárias, terços dominicais, cerimônias fúnebres etc., escolha de professor para crianças ou explicação do catecismo etc.

Capela São Francisco, em Rio Retiro, Veranópolis (RS). Em madeira, apresenta uma rosácea no frontão. (COSTA, 1976)

A identidade de um grupo tem o sentido de pertencimento que as pessoas trazem enquanto seres simbólicos, a resgatar algo de muito valoroso para si e em seu grupo social, que traduz a memória coletiva como parte de sua natureza essencial. A capela fazia parte da rotina dos colonos.

A primeira igreja de Rocca da comune de Arsiè, distrito de Fonzaso, Província de Belluno da Região do Vêneto, foi construída em 1674 e o seu primeiro pároco foi o Pe Simon Rizzon, e no mesmo ano foi construído o primeiro cemitério de Rocca, antes as sepulturas iram para Arsiè. Na época, o conselho da cidade era chamado de Regola (regra) e composto por 20 homens da comunidade que decidiam desde arrecadação e destino das coletas até as festas religiosas e quase sempre presididas pelo Mariga (prefeito). Do grupo composto, nove tinham papeis diferenciados: quatro eram Zuradi (responsáveis pela ordem pública e vigilância de estrangeiros); dois Saltari (fabriqueiros florestais e rurais); dois Cerca Mainenti (tutores de fronteiras e disputas fronteiriças); dois Massaros (coletores de impostos e administradores dos bens da igreja e comunidades, como supervisores de esmolas, cujas caixas eram abertas a cada seis meses); um quaderniere (secretário municipal com tarefa de registrar todas as decisões).

Listo as principais atividades religiosas exercidas pela Família Arboit, encontradas ao longo do tempo:

A - Na Itália, a família Arboit tinha uma tradição de exercer liderança em sua comunidade religiosa.

1. Fabriqueiros (fabbriceri): Giovanni Maria Arboit e Michele Arboit (1819); Costante Arboit (1831); Valentino Arboit (1888); Giovanni Arboit (1912). Os fabriqueiros, escolhidos pelo grupo, cuidavam das construções e reformas das igrejas e a eles cabia a direção da capela. A autoridade era grande e exerciam uma liderança inquestionável na vida social da comunidade, a formação moral dos escolhidos era ponto fundamental, tinha a vigilância exercida pelo grupo.

2. Padre Angelo Arboit (1826-1897), filho de Pietro Arboit e Maddalena Brustolin, foi sacerdote em 1857, professor, linguista, etnógrafo e garibaldino, participou de eventos do risorgimento, fervoroso com pesquisas e escritos. A pessoa mais famosa de Rocca D'Arsiè até então.

Don Angelo Arboit
3. Padre Michele Arboit (1833-1891), filho de Giovanni Arboit e Bortola Turra. Atuou em Rocca a partir de 1871, sucedeu Don Angelo Arboit.

B - No Brasil, na cidade de Paranaguá-PR, a participação da família Arboit em eventos religiosos promovidos pela Igreja:
1. Em 1927, João Alboit como guarda de honra do Santo Sepulcro, na Igreja Matriz.
2. Em 1928, João Alboit como guarda de honra do Santo Sepulcro, na Igreja Matriz.
3. Em 1931, João Alboit como noveneiro de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da Santa Casa de Misericórdia.
4. Em 1932, Ney Alboit e Luiz Lourenço Rodi como noveneiros e Angelina Alboite com festeira da Capela de Santo Antonio, na Estrada do Rocio.
5. Em 1935, João Alboit como noveneiro de Nossa Senhora do Rocio.
6. Em 1942, Marcos Alboit como mariano e guarda do Santo Sepulcro, na Igreja Matriz.

Diligência do Alboit, citada pelo Dr. Anibal Ribeiro Filho
A carruagem de Giovanni Battista Arboit fazia o transporte especial para as famílias que iam à Festa de Nossa Senhora do Rosário do Rocio de Paranaguá, a santa padroeira do Estado do Paraná.
"Festa do Rocio há meio século", manuscrito de Anibal Ribeiro Filho. Jornal Imparcial. Paranaguá, nov. 1965.

Observamos nessas passagens que a igreja era o elo de ligação com a vida social marcadamente até meados do século XX, principalmente para os imigrantes italianos e seus descendentes diretos.
Vitral no Santuário de Nossa Senhora do Rosário do Rocio de Paranaguá, com a contribuição da família através de minha avó Paulina Arboit Rodi.

Referências
COSTA, Rovílio. Antropologia Visual da Imigração Italiana. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes; Caxias do Sul: Universidade de Caxias dos Sul, 1976.
DE BONI, Luís A.; COSTA, Rovílio. Os italianos do Rio Grande do Sul. 3 ed. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes; Caxias do Sul: Universidade de Caxias; Correio Riograndense, 1984.
ZANCANARO, Walter. História de Rocca. 2013. In: http://walterincino.altervista.org/
ZANINI, Maria Catarina Chitolini. Italianidade no Brasil meridional: a construção de identidade étnica na região de Santa Maria-RS. Rio Grande do Sul: Ed. UFSM, 2006.

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